Universal/Inclusive design é uma coisa fuderosa


Ohayou, sapinhos! Eu já estava para fazer este post há muito tempo, mas falar disso num trabalhinho (de uma disciplina inútil durante a maioria do semestre) da faculdade - não havia grande limitação de tema e eu sugeri este - motivou-me a finalmente acabar o rascunho, ainda para mais considerando que eu queria dar um exemplo concreto e a nossa apresentação tem tudo o que eu preciso ^^

Vim falar de inclusive design, uma coisa que eu conheci há provavelmente um pouco mais de um ano mas nunca tirei muitos dias para pesquisar sobre o assunto, embora tivesse noção de uns quantos exemplos que considerei geniais desde o começo. Inclusive design, maioritariamente conhecido como universal design, visa criar um ambiente que vai ao encontro das necessidades de toda a população, sendo acessível e conveniente para as pessoas independentemente da sua idade, tamanho ou corporalidade (por exemplo, se têm deficiências físicas ou não). Não se destina apenas a minorias sociais, mas a permitir a interação entre diferentes grupos de pessoas, contribuindo para a união da sociedade. Objetivos de destaque: reduzir a exclusão social e permitir a autonomia.  

OBS: Eu optei por utilizar os termos "pessoa com deficiências", "pessoa neurodivergente" e "pessoa autista". Não há, pelo que sei, consenso comum, e se eu estivesse a falar de indivíduos usaria a expressão que a pessoa em questão preferisse, mas aqui a razão pela qual esta me pareceu a terminologia mais indicada para me referir a grupos de pessoas:
  • Pessoa com deficiências: Há 7 razões pela qual a maioria dos movimentos utiliza esse termo, sendo os principais não camuflar a experiência nem as necessidades, sem contudo apagar o facto de estamos a falar pessoas e que as deficiências, mesmo sendo algo influente, não definem na totalidade a pessoa. Isto explica o porquê de não se usar "deficiente", mas e "pessoa com necessidades especiais"? Isso dilui um bocado o orgulho na resistência e na identidade, e denota um certo "medo" da diferença. Também é de evitar usar a expressões "portador", especialmente em relação a deficiências inatas, pois só se pode portar algo deliberadamente, - não faria sentido dizer, por exemplo, "portador de olhos verdes". Fontes: [www www]
  • Pessoa neurodivergente: Há pessoas neurotípicas e neuroatípicas, também chamadas de neurodivergentes (mas dá no mesmo, é só mais fácil de pronunciar). Surgiu lá pelos anos 90 como oposição à ideia de que o autismo era uma doença a precisar de cura. Também reforça o quão diverso é o espectro autista, e engloba pessoas que não estão diagnosticadas com autismo ou que não manifestam caraterísticas suficientes para serem diagnosticadas assim, mas partilham algumas das condições seguintes: ADHD, dislexia, problemas de desenvolvimento da fala, ansiedade, sociopatia, bipolaridade, problemas de coordenação, dyscalculia, doença de Parkinson... Fontes: [www www]
  • Pessoa autista: Embora "pessoa com autismo" seja mais usado por profissionais, focando no facto de que se refere a uma pessoa, quem está no espectro tende a preferir a expressão que eu adotei, por um lado por dar ênfase a uma parte tão relevante da sua identidade e, por outro, porque sendo o autismo algo fortemente mental, define fortemente quem são enquanto pessoas, fazendo pouco sentido separar uma coisa da outra. Fontes: [www www]
Ilustração dos princípios do universal design
O conceito
Antes de mais, fontes relacionadas com este tipo de design num geral: [www www]

Universal design segue 7 princípios:
  • 1) Uso equitativo: providendicar a toda a gente meios idênticos ou, quando impossível, equitativos, evitando a segregação. 
  • 2) Uso flexível: permitir a escolha, e adaptabilidade tanto ao uso da mão esquerda como da direita. 
  • 3) Usabilidade intuitiva: Uso simples, consistente, e transversal a diferentes habilidades, corporalidade, linguagens ou nível de concentração atual. 
  • 4) Informação perceptível: Transmitir a informação de diferentes modos, acessível a quem tenha dificuldades censoriais, destacando a informação relevante.
  • 5) Tolerância a erros: disposição que torna mais acessível as coisas mais usadas, que alerta ara possíveis problemas e tomar medidas de segurança. 
  • 6) Baixo esforço físico: Acomodar uma posição neutra, minimizar a força necessária e a repetição de movimentos.
  • 7) Acomodação de tamanho e espaço: Providenciar visibilidade e alcance tatno a pesoas altas como baixas, sentadas ou de pé, crianças, adultos ou idosos. Ter espaço para aparelhos assistivos. 
Imagem relativa ao tópico
"modo de abrir portas"
Apresenta um puxador vertical
que pode ser aberto por todo
o tipo de pessoas
Não prejudica ninguém. Possibilita o uso a quem antes não o conseguia, e facilita a quem o conseguia. Eu realmente não consigo conceber porquê que este tipo de coisa não é implementada com mais frequência. Antes, ainda se podia alegar ignorância ou dificuldades tecnológicas, mas agora, não há qualquer razão! Eu sei que na maioria dos casos é mais fácil falar do que fazer - e eu decididamente não sei nada nem de arquitetura, nem de construção, nem de mecânica, nem de áreas relacionadas - mas por aquilo que tenho pesquisado, este tipo de design é mais facilmente alcançável em relação à maioria das coisas do que outras opções de arquitetura. Claro, incluir braille ou ciclos de audição exigem trabalho e custos extra, mas o mesmo NÃO pode ser dito de portas largas o suficiente para permitirem a passagem de cadeiras de rodas, ou pela troca da maçaneta da porta, ou pela inclusão de rampas. Principalmente considerando que rampas se estão a tornar um must, é até mais provável que fique mais barato construir logo rampas, pouco inclinadas, desde o começo, do que ter custos mais tarde a adaptar escadas ou a arranjar caminhos alternativos.

Sim, eu falei em maçanetas. Acreditando ou não, inclusive design implica algumas coisas muito simples. Para terminar o post, eu vou dar o exemplo de uma vila inteiramente inclusiva (e em constante melhoria), mas para já, vou listar algumas coisas realmente simples que concretizam alguns dos princípios. 
Lavatório com espaço em baixo
para permitir a aproximação de
uma cadeira de rodas
  • O modo de abrir as portas: Maçanetas, sendo redondas, exigem que uma pessoa tenha uma mão para agarrar e roda. Já puxadores podem ser empurrados para baixo com qualquer parte do braço, ombros, até pés. Melhor ainda é ter um puxador vertical, ao longo de toda a altura da porta - quem não tem mãos consegue na mesma abrir a porta, é alcançável por pessoas de todas as alturas, e - como prova de que também beneficia pessoas que normalmente não têm dificuldades - no caso de um incêncio, em que as pessoas se devem manter junto ao chão, dá na mesma para alcançar.
  • A altura das coisas: Pessoas altas conseguem chegar a coisas baixas. Pessoas baixas não conseguem chegar a coisas altas. O ideal é que a altura seja adaptável, ou fornecer mais do que uma possibilidade no mesmo espaço. Por exemplo, botões podem estar ao nível dos pés, para que uma pessoa numa cadeira de rodas os possa premir simplesmente aproximando a cadeira, em vez de ter de se esticar para os alcançar. 
  • Como abrir torneiras: O ideal é que, tal como nas portas, dê para abrir puxando em vez de se ter de rodar, que haja uma única maneira de abrir para evitar confundir as pessoas, e que a torneira seja aberta acima do nível por onde sai a água, para ajudar quem não quiser/puder molhar as mãos, entre outras razões. 
  • Espaço debaixo de superfícies: Sejam mesas, sejam bancas de cozinha, sejam lavatórios, deve ser possível uma cadeira de rodas caber por baixo, para permitir o uso da superfície por quem as usa. 
  • Legibilidade: Esta nem é uma questão física! A fonte dos textos deve ter uma cor que constraste com o fundo (no meu layout atual isso só acontece em hover, mas o próximo definitivamente vai ter letras pretas num fundo branco) e não ter serifa, devem-se usar palavras que não proporcionem problemas a dispositivos de leitura em voz alta (daí a forma de linguagem neutra que eu uso é a que termina em "e", porque "x" ou "@" faz com que os aparelhos de leitura leiam mal), e legendar devidamente as imagens, com descrição. Eu tenho pecado neste ultimo aspeto...
Há muitos mais exemplos, mas cada uma das imagens fala por si. 
Enabling Village
{Eu não vou colocar aqui mais imagens da enabling village para além da que está em baixo, porque há outras mais genéricas que me interessam partilhar, mas se quiserem ver, façam download do powerpoint que apresentei na minha aula: www}

Um dos pontos principais da enabling village. Rampas de baixa inclinação em ziguezague, com escadas nas laterais. As rampas têm corrimões e ainda bancos entre elas para quem se quiser sentar, havendo algumas pessoas a fazê-lo na figura.Tanto os bancos como os edifícios ao lado são bastante coloridos, e ao fundo vêm-se árvores.
Claro, há exemplos mais elaborados, e precisamente por isso o tema do meu trabalho de faculdade foi a Enabling village, que é pioneira numas quantas inovações tecnológicas. Portanto agora vou vomitar tudo aquilo que falei no meu trabalhinho da faculdade ^^ Fontes: [www www www www]

A Enabling Village é uma vila que visa incluir devidamente especialmente pessoas com deficiências e pessoas idosas (de entre os grupos alvo comuns do universal design), de modo a que todas as pessoas tenham acesso às mesmas oportunidades. Caso ainda não esteja claro, o intuíto é que a vila dê mesmo para todo o tipo de pessoas, não só minorias. É uma iniciativa do Ministry of Social and Family Development e da agência SG Enable, e localiza-se em Lengkok Bahru, um bairro em Singapura. 

Podotáteis a assinalar o fim e começo de escadas,
 juntamente com o corrimão, para pessoas com
dificuldades visuais
A construção da EV teve em conta discussões de grupo prévias e inquéritos a 300 pessoas, com o objetivo de servir a comunidade e de considerar as suas necessidades reais.

A enabling village tem 4 caraterísticas de destaque:  
  • Movimento sem barreiras – os espaços foram desenhados para acomodar o uso de cadeiras de rodas, integrando rampas pouco inclinadas por entre as escadas (o que queremos dizer por pouco inclinadas é isto apontando para o ppt), para facilitar o uso de tanto cadeiras motorizadas como manuais;
  • Ciclos de audição – uma tecnologia destinada a pessoas que usam aparelhos auditivos. Consiste na utilização de cabos à volta dos edifícios que geram sinais que sintonizam esses aparelhos, permitindo maior clareza e menor ruído em espetáculos de música e anúncios públicos;
  • Sinais em Braille – Sinais em casas de banho e corrimões de escadas, por exemplo, para permitir que utilizadores com dificuldades visuais se movam autonomamente através do toque. É também permitida a entrada a cães de guia para complementar esta característica;
  • Piso tátil (podotátil) – ladrilhos com saliências redondas ou em barras em espaços públicos, tais como estações de transportes públicos e passadeiras. Foram colocados para que pessoas com dificuldades visuais se consigam orientar. Saliências em barra ou bloco dirigem utilizadores para espaços chave, como casas de banho, enquanto saliências pequenas e redondas indicam zonas potenciais de perigo, como passadeiras. 
Estas características são particularmente evidentes em certas áreas ou serviços prestados, como...:
Máquina de lavar que permite
inserir a roupa na diagonal,
senso acessível em altura
e ângulo
  • Soul Food – é um restaurante que serve comida europeia típica e cujo principal objetivo é treinar pessoas com deficiências ou neurodivergências nas áreas de serviço alimentar, permitindo que, no futuro, possam contribuir para a sociedade, tendo um emprego. 
  • Clínica Médica – Esta clínica oferece um desconto para membros, que inclui pessoas com deficiência, mães/pessoas afab adolescentes, ex-criminosos, vítimas de tráfico humano, trabalhadores estrangeiros que não possuem seguro de trabalho e idosos. 
  • Capacidade artística – os itens expostos na Art Faculty shop são criados e confecionados por membros da Autism Resource Center. O trabalho dos estudantes neurodivergentes é valorizado e os artistas recebem direitos autorais pelos seus produtos. Existe, ainda, a iniciativa Art Bar, que consiste em treinar adultos autistas e com neuridivergências para se tornarem baristas.
  • Ginásio IFIT – foi o primeiro ginásio criado com um público alvo inclusivo. Isto é, recebe pessoas com e sem deficiência. As suas máquinas têm acentos removíveis para permitir o encaixe das cadeiras de rodas. As passadeiras têm um mapa para invisuais que lhes permite perceber o funcionamento das máquinas e inclui sistemas de ciclos de audição. Também está adaptado para seniores, substituindo os pesos por máquinas que usam um sistema de ar pneumático. 
  • Espaços abertos - Existem espaços abertos que foram deliberadamente planeados para prevenir o isolamento social, especialmente dos mais velhos, porque encorajam a vizinhança a vir e usar as instalações. 
  • Supermercado FairPrice – Os carrinhos de compras estão adaptados para transportar não só os produtos para compra, como também a própria pessoa. Os corredores são mais largos, em cada um há lupas para facilitar a leitura dos rótulos e existem ainda botões para chamar assistência. Os funcionários foram treinados para reconhecer seniores com demência ou outras doenças e, assim, entender melhor as suas necessidades. Oferece programas de treino especializados no comércio. 
  • Disability Services – A Enabling Village pode ser contactada por futuros colaboradores para que estes possam, desta forma, perceber quais as necessidades dos seus pacientes e quais as tarefas que poderão desempenhar. Além do cuidado de pessoas que possuam algum tipo de deficiência, física ou cognitiva, a EV também procura obter mais subsídios para dispositivos tecnológicos para auxílio. 
  • Information and Career Centre - a Enabling Village oferece formação às pessoas com deficiências de forma a que estas tenham maiores chances de ser incluídas no mercado de trabalho, conectando o empregado e o empregador. Esta é maioritariamente realizada por este centro, ainda que esta prática seja também proliferada através de espaços comerciais dedicados. 
  • Tech Able – Fornece serviços de avaliação de tecnologias de apoio para que os utentes possam experimentar e façam uma escolha informada acerca dos produtos de mercado disponíveis de forma a que pessoas com deficiências tenham uma vida mais autónoma. Exemplos são cabides que podem ser movidos para permitir o acesso a pessoas em cadeiras de rodas, balanças que dizem o peso para facilitar a leitura a pessoas com dificuldades visuais. 
Esta vila é um exemplo de como é perfeitamente possível criar espaços funcionais e acessíveis para toda a gente. Por outras palavras, universal design é bom design.

Rambling
Casa de banho com sinal inclusivo
na porta a dizer "all genders"
Já agora, eu estou muito feliz porque em Portugal foi aprovada uma nova lei de género (no meu dia de anos! Foi o melhor presente que poderia ter tido!...), e fez alguns progressos fabulosos que eu não esperaria que viessem a ser alcançados tão cedo. Já era possível tomar hormonas e fazer cirurgias de redefinição de sexo, e mudar os dados no registo civil, mas era necessário ter mais de 18 anos e um relatório médico a atestar que a pessoa tinha uma "perturbação de género", o que é... horrível, simplesmente. Também era permitido, tal como na maioria dos países, operar crianças intersexo mesmo quando os seus corpos não apresentavam nenhum risco à saúde, sem o consentimento delas (até porque normalmente são operadas em bebés), sem se saber com que género se iriam identificar no futuro, e muitas vezes mentindo aos pais (por exemplo, dizendo que a menina deles tinha de remover os ovários ou teria cancro, mas ela nem sequer tinha ovários). Mutilação genital, sim ou claro?

Contudo, a lei atual conseguiu fazer com que:
  • Não seja preciso o dito relatório para uma pessoa mudar o seu género e nome no cartão de cidadão
  • É possível mudar de género no registo/cartão de cidadão com 16 anos, ainda que com autorização das pessoas encarregadas
  • Bebés/crianças intersexo já não serão sujeitas a cirurgias a tratamentos hormonais e cirurgicos com o propósito de se enquadrarem num género binário, até terem idade para consentir, a não ser que as suas condições apresentem riscos à saúde.
Não entendi muito bem se a partir de agora pessoas intersexo serão registadas com alguma terceira opção de género ou não. Pensei que pudessem ser e que se calhar pessoas trans pudessem mudar para esse género também, mas a legislação só permite mudar para géneros binários... Eu consideraria seriamente mudar o meu para a terceira opção caso contrário. Mas fora isso, fico muito feliz pelas pessoas que agora poderão viver mais como elas mesmas.

Jaa!
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