Esclarecendo polémicas em torno de TRANSições físicas


Eu estava a pensar em como começar este post e decidi que vou querer fazer um desenho com uma mulher cis e uma mulher trans onde vou escrever: "different body, different experiences, same gender".

Yoo, sapinhos! Este post, para diferir do anterior, conta com mais info lgbt+, exclusivamente relativa a questões trans. Vou tentar esclarecer algumas questões que a sociedade considera polémicas e mostrar porque que duas visões distintas não implica necessariamente que uma delas não seja verdade. O tema principal são transições físicas, e tenciono responder a 3 dos argumentos mais usados para alguém se opor a transições.

Este post foi motivado por certas imagens em páginas de feminismo radical (mais particularmente TERF's), que parece ainda não ter compreendido que respeitar o género de mulheres trans não invalida o que elas passaram enquanto mulheres cis. Também parece ter dificuldade em alcançar a noção de que sentir disforia ou não atender estereótipos de género na infância não são requesitos para não ser cisgénero. Aliás, a wikipédia é uma ótima fonte no que toca a demonstrar as visões distintas do feminismo em relação a pessoas trans: [www].

Questões físicas
Há imensas confusões no que toca ao corpo de pessoas trans, e imensas generalizações em relação a como elas se sentem, então a primeira coisa que devo fazer é definir disforia:

O que é disforia?

É uma sensação de desconforto. Em relação a questões trans, fala-se de disforia de género, logo, desconforto em relação ao próprio género. Agora, há vários tipos de disforia, e embora nem toda a gente seja capaz de os distinguir, há pessoas trans com experiências muito diversas:
  • Disforia física» Desconforto pelo corpo, no caso, pela maneira como este apresenta atributos que a sociedade considera marcadores de género. É deste tipo de disforia que surgiu o mito de que pessoas trans se sentem presas no corpo errado. Eu chamo-lhe mito, mas nem é por não haver quem se sinta assim; a parte falsa é a imposição disso como experiência universal, ou seja, a crença de que se todas as pessoas trans sentem isso, então uma pessoa que não o sinta não é realmente trans. Essa noção surgiu devido à quantidade de pessoas trans que, no passado, descobriram que se fizessem o que estava escrito num guia escrito por um médico (Harry Benjamin) para médicos sobre como as diagnosticar - ou seja, dizer que se sentiam presas no corpo errado - conseguiam obter os cuidados necessários [www, página 12]. E hoje em dia? Hoje em dia, é usada como uma frase sensacionalista pelos meios de comunicação para atrair público: [www]. Portanto, pessoas trans podem sentir disforia física em graus variados: desde extrema (desejo de ter um corpo associado ao género com que se identificam), passando pela parcial (em relação a partes do corpo específicas), até à mínima (talvez partilhando a noção de que não há relação entre corpo e género, ou de que não se sentem presas no corpo errado, mas sentem-se presas nos julgamentos que a sociedade faz dos seus corpos). 
  • Disforia social» Relacionada com a forma como a sociedade percepciona géneros, e trata as pessoas em função disso. Com tratar, refiro-me a expectativas e pronomes. As expectativas desadequadas não costumam ser algo exclusivo de vivências trans - pessoas cis também são alvo delas - e não se enquadrar em expectativas em nada indica que uma pessoa seja trans. Agora, pronomes são outra história. Em português usam-se pronomes femininos para quem se considera que é mulher e masculinos para quem se considera homem. Se alguém ouve uma pessoa afirmar que é homem e a continua a tratá-la no feminino, não está a respeitá-la, pois está a desconsiderar o seu género transmitindo a ideia de que "tu achas que és homem, mas para mim continuas a ser mulher". Isso é transfobia. Este ponto não está aberto a discussão. Daí praticamente todas as pessoas no espectro trans a sentirem, mesmo que possa ser em menor grau, dado que todas passam por misgendering (ser tratadas pelos pronomes errados).
  • Disforia cultural» Isto não tem tanto a ver com questões trans, mas é um tipo de disforia pouco conhecido do qual decidi falar, prendendo-se com dissociação da própria cultura. O [link] fala por si.
As polémicas vão para além do que pessoas trans sentem quanto ao corpo - no fundo, aquilo que é mais discutido são as transições físicas, ou seja, as alterações que alguém faz no corpo de modo a ter o seu género lido corretamente e reduzir disforia.

As opiniões predominantes são estas: 
  1. Quando pessoas trans mudam de corpo, estão a reforçar estereótipos de género
  2. Pessoas trans mudam de corpo porque acham que não são do género que lhes foi atribuído por não corresponderem às expectativas impostas sobre o seu género, e quando perceberem que isso não faz sentido, vão se arrepender de ter mudado o corpo
  3. Uma pessoa não é realmente trans/de certo género se não fizer transição completa.

Todos estes pontos são bullshit e tenciono aderessar cada um deles.

O ponto 3 é simples: ninguém deve ser obrigado a mudar a sua aparência para ter o seu género respeitado. Isso aplica-se a pessoas cis mas, por alguma razão, mesmo pessoas que concordam que (por exemplo) um homem com características tradicionalmente femininas deve ser respeitado em vez de chamado de menina, não aplicam essa lógica a homens trans. Não é o corpo uma característica como muitas outras? Hipocrisia, sim ou claro? Então, toda a gente tem o direito de transitar socialmente - ou seja, assumir o seu género e pedir para ser tratada de acordo com ele - sem a obrigação de transitar fisicamente. Corpo não é um indicativo género, pois género é uma coisa interna.

Isto dito, muita gente quer realmente passar por uma transição física, total ou parcial, e assim o ponto 3 relaciona-se com o 2. Há imensa gente - destaco médiques e feministas radicais - que diz que a maioria das pessoas que transita fisicamente acaba por se arrepender. Algumas fontes citadas estão presentes [neste link], como a pesquisa de 1995 realizada por Zucker e Bradley que estudou crianças que nunca disseram que eram trans e tirou a conclusão de que elas "não cresceram a considerar-se trans". Ah, a sério? Ora, tenho várias coisas a dizer: 

» A primeira é uma crítica às más fontes, feitas por pessoas que não são lgbt+ e que interpretam o que pessoas que transitam dizem da maneira que lhes for conveniente. Assim, esses estudos não estão a considerar a causa do arrependimento, assumindo que a pessoa quer dizer que afinal não se identifica com o género associado ao corpo que obteve, quando muitas vezes a causa até é indicativa do contrário. Por exemplo, há quem se "arrependa" de ter modificado o corpo porque:
  • Após tanto esforço continua a não ter o seu género respeitado, então não serviu de nada
  • Não acha que o corpo seja indicativo género e arrepende-se de ter cedido ao que a sociedade achava que devia fazer
  • Ficou com muitas cicatrizes, os médicos não tiveram o devido cuidado, devia ter estudado/escolhido melhor o tipo de cirurgia, entretanto surgiram métodos melhores, os resultados não foram satisfatórios...
  • É uma pessoa não-binária e os médicos não a deixaram fazer só algumas cirurgias, ou aquelas que fez fazem com que pessoas assumam que é do género binário oposto ao que lhe foi atribuído
  • As pessoas validam o seu género atualmente mas acreditam que, tendo ela mudado de corpo, mudou de género, referindo-se ao seu passado com o género que lhe foi atribuído à nascença
  • As pessoas sabem que não é cis (seja porque a aparência não lhe dá "passabilidade" ou porque a conheciam antes das mudanças físicas) e são preconceituosas com ela, e a mudança trouxe mais complicações à sua vida
  • O processo ficou caro e a pessoa está com problemas financeiros
  • Um dos preços a pagar para ter direito à transição ainda a incomda, sendo este ser "diagnosticada" como transexual e/ou ter passado por esterelização forçada
Sim, há pessoas que se arrependem e cuja causa é aperceberem-se de que afinal o seu género era aquele que lhes tinha sido atribuído. Essa experiência é válida e também merece ser ouvida*. O que não é válido é quando essas pessoas agem como se a sua experiência fosse universal, e praticamente a sociedade trata-a como tal.
* Uma exceção que aponto é Cass, uma rapariga que achou que era um homem trans por um tempo, cuja experiência é abordada [neste artigo] que eu achei bastante bom por expor a limpo experiências muito diversas. Cass, mesmo tendo concluído que afinal não era trans e que em particular a transição física não era a escolha certa para si, compreende que o caminho certo difere de pessoa para pessoa e irrita-se com a maneira como a direita se apropria e generaliza a sua experiência individual. Neste [link] também se encontram várias pessoas a falar da sua perspetiva pessoal e a demonstrar que não há realmente relação entre sentir disforia, querer mudar o corpo e ser trans, havendo até um exemplo de uma pessoa que é trans, que sente disforia, mas que se estava a sentir pior com hormonas e com os resultados da transição, mas continua a ser trans (há muitas experiências distintas, citei essa para se opor aos exemplos dei anteriormente).

Isso leva-me às próximas críticas:

» As pessoas agem como se a possibilidade de fazer uma escolha errada bastasse para travar o direito à escolha de alguém, mas se fosse por aí, não se poderia escolher nada - pois há sempre quem se engane e arrependa das decisões que toma. E agora, vamos proibir toda a gente de fazer escolhas? Vamos prejudicar as pessoas que poderiam fazer escolhas certas por culpa das pessoas que fazem as escolhas erradas? Então porquê que se quer fazer isso a tantas pessoas trans? Vamos tirar a pessoas trans o direito de mudar os seus corpos por culpa de pessoas que descobriram tarde demais que NÃO são trans?

Quanto a quem realmente achou que era trans porque não se enquadrava em estereótipos de género, a sua experiência não deve ser ignorada e, de facto, é um problema que elas tenham achado que eram trans porque onde cresceram não havia a noção de que mulheres podiam ser masculinas ou homens femininos, levando a conclusões erradas. Porém, se formos a ver imensas pessoas trans, elas NÃO concluíram que o eram por causa disso - aliás, cada vez se procura mais dar voz a mulheres trans masculinas e o contrário. Objetivos? Validar a sua identidade trans, provar que uma mulher trans não tem de ser feminina nem era um homem que se achava mulher por não ser "masculino" o suficiente, e provar que se pessoas cis devem ser respeitadas seja como for que se apresentem, pessoas trans também. Mesmo nos casos de mulheres trans fem - ou o contrário (de uma perspetiva binária) - em que isso as levou a suspeitar, se estiverem satisfeitas, não sei qual é o problema, pois também há mulheres cis femininas. Esses são dois pontos que o feminismo radical e mesmo algum do não interseccional se esquece - que mulheres femininas não estão necessariamente a ser oprimidas, podem realmente gostar de o ser e é direito delas, aplicando-se a mesma lógica a mulheres trans. Sim, deve-se combater a associação entre género e estereótipos. Mas pessoas trans não devem pagar porque alguém suspeita - muitas vezes erroneamente - de que elas concordam com esses estereótipos, nem porque alguém que descobriu que não é trans tirou temporariamente as conclusões erradas por acreditar nisso. 

(Além disso, mesmo não se aplicando aqui, já é mau que chegue alguém achar aceitável culpar um grupo por conta de problemas individuais. Quando são maiorias que são acusadas por causa de "exceções" - provavelmente nem exceções verdadeiramente e sim problemas sistemáticos tão normalizados que ninguém nota - surgem logo threads no twitter com as tags #NotAllMen, #NotAllWhitePeople, #NotAllAmericans, #NotAllStraightPeople - algo que não deixa de ser verdade. O problema é que normalmente quem faz isso - partir logo para a auto-defesa e desmerecer a crítica - são as pessoas que constituem o problema, e não hesitam em fazer generalizações quanto a minorias. I mean... [www])

Relativamente ao ponto que falta: A maioria das pessoas trans é cobrada estereótipos e transições, para poder ser validada, mesmo quando não concorda com eles. Não são todas? Pois não, mas não é por algumas pessoas acharem que estereótipos são o preço a pagar para se ser digno de respeito* que isso representa toda a gente. Então, mesmo que feministas radicais queiram acusar alguém de estar a reforçar estereótipos, e mesmo que venham com o argumento de que algumas pessoas trans se enquadram em estereótipos por concordarem que uma mulher/homem devem ter certas carateristicas, também deviam considerar culpar algumes médiques. Uma boa parte da comunidade médica pensa assim: Uma mulher trans quer viver como mulher -> mulheres têm certos comportamentos e aparências -> uma pessoa só pode ser diagnosticada como mulher trans se viver x anos de acordo com o que o médico acha que é viver "à mulher" -> só depois poderá ter um "corpo de mulher" -> só depois será realmente mulher. Qualquer pessoa trans (homens e nbs também, usar mulheres foi só um exemplo) que fujam dessa narrativa não são válidas aos olhos da maioria de les médiques, então mesmo muitas das que não concordam são obrigadas a pelo menos simular que o fazem.

*Respeito não é condicional e é um direito de todos os seres vivos. Não é algo que se tenha de conquistar.

Mais irónico ainda é que já muites médiques, tal como o resto da sociedade, não acham realmente que haja um estereótipo masculino ou feminino, mas forçam-no em pessoas trans. E feministas radicais acusam pessoas trans de reforçar estereótipos e corporalidades, mas continuam a tratá-las pelo género errado se elas não mudarem de corpo.

Género é algo INTERNO, carago! Principalmente com a internet, uma pessoa tem como aprender isso. Se uma rapariguinha tem caraterísticas tradicionalmente masculinas e começa a achar que é um rapaz por causa disso, tudo bem em dizer-lhe que não há qualquer correlação e que mulheres não têm de ser femininas. Mas não sei porquê que dizer que é possível que ela seja mulher, invalida a possibilidade de ser um ele, de ser rapaz trans, de ser não-binárie. É perfeitamente possível dizer à criança que foi designada rapariga que ela pode ser mulher e masculina e que há mulheres incríveis que o são, mas que também pode ser de outro género embora, caso seja, isso não tenha nada a ver com as suas caraterísticas. Pois se as suas características não significam nada em termos de género, não significam nada em relação a nenhum género. Eu odeio como tantas pessoas tratam as duas visões como se fossem opostas e incapazes de coexistir. Odeio como encaram direitos trans como uma regressão da igualdade de género...

Este texto ficou enorme, então vamos resumir: 
Não faz sentido não apoiar que pessoas trans alterem os seus corpos com base no argumento de que vão arrepender-se E concluir que não são trans, porque uma coisa não é equivalente à outra: Há imensas razões para alguém se arrepender de transitar fisicamente que não se devem a não ser "realmente" trans, sentir disforia/desconforto pelo próprio corpo não é um requerimento para o ser, e pessoas que se arrependem e de facto concluem que não são trans não podem falar pela experiência de quem o é. Isso seria como impedir as pessoas de escolher o curso que querem por causa das pessoas que escolhem o curso errado, como se se acreditasse que, no fundo, toda a gente fazia a escolha errada, sem saber. Embora seja válido concluir que não se é trans e/ou arrepender-se de alterar o corpo, não se deve agir como se quem "percebeu que fez a escolha errada" porque engoliu estereótipos de género fosse a regra, pois a maioria das pessoas que se identifica como trans não o faz por causa disso, até porque género não tem nada a ver com as caraterísticas que alguém apresenta. Género é algo identitário, logo, algo interno.  

Mulheres trans não invalidam a experiência de mulheres cis
No pinterest, encontrei um texto (mas perdi...) que me deixou simultaneamente com pena e frustrada. Mas fez-me entender um bocado mais a perspetiva de feministas radicais, embora de um modo que me fez achá-las ainda mais densas. A razão pela qual feministas radicais se recusam a deixar que mulheres trans sejam classificadas como mulheres é porque sentem que não poderão falar da experiencia feminina sem serem acusadas de transfóbicas - já que mulheres trans tem experiências diferentes - e não acham justo que alguém do lado dos "opressores" possa chamar-se de mulher para as silenciar. É como se homens estivessem a manipular o feminismo para calar a perspetiva das mulheres, e ainda culpá-las se insistirem em falar, por estarem a excluir "intituladas" mulheres trans. *isso é o que feministas radicais acham*

Mas aceitar que mulheres trans têm experiências diferentes - algo que eu acho, embora NÃO seja igual à experiência de um homem cis [www] - não impede nenhuma mulher cis de falar da sua experiência enquanto pessoa que foi designada mulher à nascença e realmente se identifica como tal. A única coisa que tem de ser feita é acrescentar uma palavra ao discurso: em vez de ser sobre experiências de mulheres, é sobre experiências comuns a mulheres CIS.

Só que isso não faz sentido para feministas radicais porque, para elas, todas as mulheres têm as mesmas experiências. Então separar por cis e trans é pointless e divisório.

O problema é que a premissa delas está errada. Não é por elas apresentarem "a experiência da mulher" como algo comum a todas as mulheres que isso se torna verdade: Por exemplo, o feminismo como um todo quer empoderar as mulheres, mas correntes especificas (o radical entre elas) equaciona esse empoderamento a conquistar a ideia de que mulheres são tão fortes e capazes como os homens. Mas sabem que mulheres é que sempre foram vistas como fortes e encarregadas de trabalhos pesados? Mulheres negras. Mulheres negras também sempre foram vistas como mais independentes, imunes à dor, e indignas de amor (isto é, eram usadas como amantes e adoradas na cama, mas raramente escolhidas para constituir família), isto enquanto mulheres brancas tentavam demonstrar que não precisavam de um homem. E esse é só 1 contraexemplo!

O feminismo radical também se tende a esquecer de que o patriarcado é uma lâmina de 2 gumes (pessoas não binárias nem sequer são consideradas -.-): considerar mulheres maternais fá-las passar mais tempo com os filhos, mas também exige que estejam à altura de criá-los. Encarar os homens como fortes é que o que faz que a guerra seja tantas vezes mais obrigatória para eles. Isso vê-se até na criação de crianças: num parque de diversões [www], as rapariguinhas são impedidas de fazer certas brincadeiras, acompanhadas em todos os seus movimentos, e apaparicadas quando caem; os rapazes, às vezes, nem são ajudados quando pedem ajuda e deixam que eles se aleijem para "se tornarem mais fortes"; Embora seja horrível como as raparigas (isto é, crianças designadas raparigas) são olhadas de cima e tratadas como flores de estufa, os rapazes também terão de lidar com consequências negativas (para além dos ferimentos óbvios): Raparigas terão pouca confiança, receio de explorar as suas capacidades e terão problemas de saúde desmerecidos porque médiques acham que todas as mulheres são mimadas e estão a exagerar na dor que sentem, enquanto que homens aprendem a temer demonstrar dificuldade e a pedir ajuda, são encarados como fracos quando pedem de facto ajuda e aprendem a esconder as emoções.

Enfim, o meu ponto aqui é que a experiência de pessoas de qualquer grupo não é universal, e mulheres não são exceção. Então, se não faz sentido excluir certos tipos de mulheres - negras, com deficiências, de x religião... - com base nas experiências diferentes, como é que tratar mulheres trans como uma exceção pode não ser discriminatório?

É transfóbico não se querer relacionar com pessoas trans(?)
Sim, mas eu sinto que as pessoas não compreendem devidamente essa frase e imaginam implicações que não correspondem às reais.

Ninguém está a dizer que toda a gente tem de, em algum ponto da sua vida, se relacionar com pelo menos uma pessoa trans, caso contrário seria transfóbica. Esse argumento seria estúpido, porque:
  • Relegaria automaticamente como transfóbicas pessoas que não sentem atração romântica e/ou sexual (as in, por género nenhum: pessoas arromânticas e assexuais respetivamente)
  • Muita gente que se relaciona com pessoas trans, em particular com mulheres trans, é transfóbico para caralho (gómen pela expressão) e até se relaciona com essas pessoas porque se identifica algures como gay, considerando por exemplo que mulheres trans são homens, mas não o suficiente para obrigar a pessoa que se relaciona com elas a ter de enfrentar a sua homofobia internalizada. Não, não faz sentido - atração é por géneros, não por sexos - mas é uma salgalhada na cabeça dessas pessoas.
O problema é quando alguém sente atração por uma pessoa, mas ao descobrir que ela é trans, ou que o é mas não fez cirurgias para ser do sexo que a pessoa cis acha que deve coincidir com o seu género, termina o relacionamento e afirma parar de sentir atração - o que eu acho dúbio, porque como é que se para de gostar de uma pessoa de um momento para o outro? Atração sexual até percebo, mas e romântica (assumindo que a pessoa sente atração romântica)? Mas mesmo acreditando que é possível, pois não me compete a mim policiar o que as pessoas sentem, se o sexo de alguém basta para fazer uma pessoa mudar o que sente por ela, sim, isso é transfobia, ainda que internalizada. Se o nojo é maior que a atração que sente, isso é transfobia. Se a pessoa não sente nojo, mas ainda assim acha que não sabe o que fazer com aquele tipo de genitais, não está disposta a aprender ou tem medo de "ficar gay" se aprender, isso é transfobia, daquelas mesmo dignas de pena. Isto dito, se a transfobia - como qualquer preconceito - internalizada for reconhecida, pode ser trabalhada. É compreensível que uma pessoa, em especial alguém que se considere monossexual, fique perdida se descobrir que a pessoa de quem gosta é trans: pode levá-la a questionar a sua sexualidade* e a ter de aprender como é que se deve envolver sexualmente com o género trans pelo qual sente atração. Mas se houver mesmo sentimento, não é impossível, e para algumas pessoas até é mais fácil do que esperavam. Mesmo que a pessoa possa não conseguir, então pelo menos pode admitir que é um preconceito que não conseguiu ultrapassar e que tentou, ou seja, não faz da pessoa trans o problema.

* a pessoa pode ser bi ou não, na realidade:
  • É bissexual se, por exemplo, achava que era um homem hétero que calha de gostar de alguém que achava que era rapariga, mas a pessoa de quem gosta depois diz que se identifica como/é rapaz ou não-binária. Pelo menos, bi seria uma label a considerar, dada a definição (atração por 2 ou mais géneros), e seria uma das várias labels que denotavam que o homem que se apaixonou reconhece o género real da pessoa de quem gosta, sem apagar o facto de que gosta de mulheres.
  • Mas se o dito homem que se considera (e neste exemplo, é) hétero gosta de uma mulher trans, tenha ela o físico que tiver, isso em nada afeta a sua sexualidade. Continua a ser um homem que gosta de mulheres.
E pronto, era isso. Eu sei que este post ficou enorme, mas foi bom poder acrescenar a minha perspetiva quanto ao assunto. Sempre me pareceu que os debates sobre estes tópicos eram muito redutores e consideravam poucas hipóteses xD Sim, eu sou mesmo fã de textos longos ^^ 

Alguns youtubers trans dignos de muito amor: [Ash Hardell (ela/ele/elu) | Jackson bird (ele) | Riley Dennis (ela/elu)]. E meu deus, o termo TUMF (Trans Unaware Mainstream Feminist) criado pela ativista Júlia Serano é mesmo útil! [www].

Eu tecnicamente vou estar de férias da Páscoa esta semana, embora ainda tenha trabalhos da faculdade para fazer. A minha rotina continua a ser cumprida e, nos próximos dias, contem com comentários meus nos vossos blogs ^^
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