Do que precisam pessoas trans e/ou enby?


A minha pessoa tem estado muito atarefada com a faculdade, mas a parte complicada será a partir desta semana, até porque ainda tenho de refinar algumas coisas para o cosplay que vou fazer no Iberanime e será já dia 13, exatamente na véspera de 2 entregas de trabalho. Desejem-me sorte ^^ Talvez mostre fotos depois - se calhar a minha ida ao evento até será o tema do post dessa semana! Ah, e eu esta sexta detestei a maneira como um stor meu - de Gestão, que é aquela cadeira que nós temos quase inútil ao curso de engenharia informática (quase...) - falou de forma um bocado sexista e exorssexista (excluindo pessoas não-binárias), não aguentei mais estar para ali a ouvi-lo, não voltei depois do intervalo, e dependendo de como responde a um email gigantesco que demorei 3 horas ou mais a escrever que lhe mandei, poderei nunca mais por os pés naquela aula. O coitado do homem nem disse coisas graves, mas foram tantas pequenas coisas seguidas que eu sinceramente prefiro preservar a minha sanidade mental.

Bem... A primeira metade do post irá definir alguma da terminologia que irei usar, desde conceitos básicos a siglas que as comunidades trans e não-binária usam. Esses conceitos são importantes para compreender os tópicos da segunda metade, onde listo direitos básicos que a comunidade trans devia ter, alguns deles urgentes.



Definições breves {vejam as siglas na ultima parte}

Distinção de conceitos base

Sexo» Atributos físicos com que uma pessoa nasce, é uma combinação de caractéres sexuais primários, secundários, hormonas, gâmetas e cromossomas. Pode ser masculino, feminino ou intersexo, sendo um espectro. O género registado à nascença baseia-se nele, mas nem sempre, devido a não existir marcador para pessoas intersexo. 

Género» Identidade de alguém, género com que sente mais conexão, não dependendo do sexo, orientação, expressão, educação, papel social, cultura ou qualquer fator externo, embora possa ser influenciado por tal. É um espectro, incluindo homem, mulher, e uma série de géneros não-binários que podem ou não relacionar-se com os dois géneros binários.

Expressão de género» A maneira como uma pessoa se apresenta, fisicamente e socialmente. Pode incluir aparência física, roupas, maquilhagem, barba, cabelo... mas também papel social, pronomes, entre outras coisas. Pode ser tradicionalmente feminina, tradicionalmente masculina, andrógina ou combinações das 3.

Comunidade trans

Cis» Pessoa que se identifica com o género que lhe foi atribuído à nascença. Por exemplo, uma mulher (ou seja, alguém que se vê como mulher) que foi registada como mulher à nascença. 

Trans» Pessoa que não se identifica com o género que lhe foi atribuído à nascença. Por exemplo, uma mulher (ou seja, alguém que se vê como mulher) que foi registada como homem à nascença. Inclui pessoas...
  • Transgénero» Praticamente sinónimo de trans, o único requisito é a não identificação total com o AGAB.
  • Transsexuais» Normalmente associado a intervenções médicas, o termo caiu em desuso devido ao histórico de patologização
  • Travestis» Pessoas amab que se identificam como mulher ou com algum género de alinhamento feminino. Associado a um contexto cultural forte, não se deve assumir que alguém é travesti a não ser que a pessoa explicitamente o diga que é. 
  • Não-binárias» Pessoas que não se identificam pelo menos totalmente, unicamente ou a tempo todo como homens ou mulheres. É um termo guarda-chuva para muitos (a)géneros diferentes.

Desconforto/conforto com o AGAB

Disforia de género: Desconforto, angústia e stress que uma pessoa sente em função do género que lhe foi atribuído à nascença e à maneira como se é percepcionado em sociedade. Pode extender-se a várias coisas específicas ou ser um sentimento bastante geral. 
  • Disforia física: Disforia de género direcionada ao próprio corpo, ou seja, às caraterístias que constituem o seu sexo - quer de nascimento, quer aparecidas com a puberdade. Isto dito, nem sempre se direciona ao corpo todo - é muito comum ser em relação a partes específicas -, a generalização de que todas as pessoas trans se sentem presas no próprio corpo é um mito, e algumas pessoas que o alteram fazem-no mais pelas expectativas que a sociedade tem em função do seu corpo do que por sentir desconforto extremo. 
  • Disforia social: Disforia direcionada à maneira como se é percepcionado socialmente. Seja o tratamento de género (pronomes e afins) erróneo por parte das outras pessoas, participar em espaços para pessoas de certos géneros quando este não coincide com o próprio ou outras coisas. 
Euforia: Oposto de disforia. Ocorre quando uma pessoa no espectro trans tem o seu género lido (mais) corretamente, navega espaços e normas de acordo com o seu género e se sente bem por isso, ou quando o seu corpo se começa a aproximar de algo que a deixa mais confortável e contribui para a sociedade ler o seu género (mais) corretamente. 

Siglas

AGAB: Assigned gender at birth - género designado à nascença. É o género do registo de nascimento.

AFAB: Assigned female at birth - designade mulher à nascença.

AMAB: Assigned male at birth - designade homem à nascença.

EnBy: Leitura do N e do B de "non-binary", ou seja, abreviatura de não-binárie. Não pode ser NB porque isso significa já "non-black".

FTM: Female to Male, termo médico para quem é afab e recorre a intervenções médicas que aproximam o seu corpo de um corpo considerado masculino. Muita gente não gosta do termo OU porque sempre se considerou homem e isso parece implicar que mudou de género, quando apenas alterou o corpo, OU porque é uma pessoa não-binária, apenas não há um tipo de corpo enby.

MTF: Male to Female, termo médico para quem é amab e recorre a intervenções médicas que aproximam o seu corpo de um corpo considerado feminino. Muita gente não gosta do termo OU porque sempre se considerou mulher e isso parece implicar que mudou de género, quando apenas alterou o corpo, OU porque é uma pessoa não-binária, apenas não há um tipo de corpo enby.

"Pronoun buttons" com pronomes femininos, masculinos e neutros achados no [etsy]
As necessidades da comunidade trans
Aqui apresento algumas medidas que deviam ser tomadas para incluir na sociedade e não discriminar pessoas do espectro trans. Muitos destes tópicos exigiriam reformulações drásticas dos sistemas que lhes dizem respeito e, para além de pessoas trans, também beneficiariam pessoas intersexo e diversas pessoas cisgénero. Dependendo do país que estamos a considerar, algumas destas medidas estão relativamente perto de ser alcançadas, já o foram, ou estão disponíveis apenas para pessoas trans binárias e claro que, para países que consideram o género e/ou sexo feminino como inferior, sugerir isto seria demasiado ousado. Mas se pessoas trans realmente fossem respeitadas pelas sociedades que se consideram "avançadas", o que apresento aqui seriam apenas os requisitos mínimos. São alguns dos direitos mais básicos e urgentes em que qualquer país desenvolvido devia pensar. 

Registo e reconhecimento legal:

Géneros aceites noutras culturas.
Arte encontrada em [www].
Aka permitir que uma pessoa mudasse o seu marcador de género de registo para... bem, para o seu género. Porque estar registade como "mulher" quando se é homem ou enby é um bocado treta. Mas a questão não é só essa. A questão é que a mudança de registo tinha de considerar estas duas coisas:
  • Não exigir intervenções médicas nem qualquer disgnóstico por parte da pessoa que queria alterar o seu registo - algo que muitos países exigem, impedindo imensa gente que não quer alterar os seus corpos nem ser vista como doente de ter acesso ao processo.
  • Permitir o registo de pessoas não-binárias. E como há muitas formas de não se ser estritamente homem nem mulher, se o objetivo fosse apenas acrescentar mais uma possibilidade, eu sugeria "outro". Digo isso porque o termo não-binário é um bocado ocidental e podia excluir pessoas de certas identidades culturais - algo que aqui na Europa se calhar nem tem assim tanto significado - não sei - mas teria em vários lugares. 
Antes que alguém venha com discursos sobre a necessidade dos médicos saberem o género de registo de uma pessoa, por um lado, os médicos mesmo sabendo disso não ficam a saber de muito se não souberem que intervenções a pessoa fez no seu corpo - i mean, se os médicos vissem que alguém nasceu do tão aclamado sexo feminino, assumiriam que a pessoa tem estrogénio e progesterona quando se calhar anda a tomar testosterona - , por outro, os registos apenas permitem registar alguém como homem e mulher e portanto não poderiam indicar aos médicos que uma pessoa é intersexo, e por fim, esse tipo de informação devia ser mantido nos sistemas médicos. A maneira como alguém é tratado e o seu género é completamente independente do seu sexo. Já a biologia de alguém não deve interferir na maneira como vive em sociedade.

Neolinguagem oficial:

Pessoa a abraçar uma estrela com os
seus pronomes enquanto é tratada no
feminino. Artista desconhecide.
...ou pelo menos socialmente aceite e ensinada. Sinceramente, eu até preferia que as várias propostas de neolinguagem - refiro-me a coisas como os pronomes que uso atualmente, há muitas propostas distintas e que variam de língua para língua - fossem menos estranhadas pela maioria das pessoas. Estamos a chegar lá, a passo de caracol. Mas oficialmente, ainda não há nenhuma forma neutra e/ou não-binária de falar (esses dois conceitos não são exatamente idênticos, mas façamos de conta), e seria útil tê-la para:
  • Poder calar pessoas que se recusariam a usar essa linguagem caso não fosse oficial ou que resmungariam sobre "erros gramaticais" e blá blá
  • Podermos referir alguém sem saber o género dessa pessoa
  • Podermos referir pessoas não-binárias cujos pronomes que usam desconhecemos
  • Podermos falar de grupos de pessoas sem tratar o masculino como default ("o direito dO trabalhador", etc...) ou incluir quem usa tratamento feminino mas excluir todas as restantes pessoas, só que de forma ainda mais explícita ("o direito do/da trabalhador(a)").

Casas de banho/Banheiros:

Pessoa a segurar o cartaz "I'm not a boy,
I'm not a girl. Where do I pee?".
Autoria desconhecida
Poder usar casas de banho devia ser uma medida de higiene pública básica, mas pelos vistos não é. Muitas pessoas trans que são lidas/passam pelo seu agab tendem a recorrer às casas de banho que usam desde pequenas, mesmo que às custas da invalidação do seu género. Já quando uma pessoa tem uma aparência mais andrógina ou lida como oposta à esperada em dada casa de banho, isso só serviria para provocar desconforto nas pessoas que lá se encontrassem - e, embora usar a casa de banho do género que supostamente - digo supostamente porque pessoas não-binárias existem - são ao menos não sufoque o seu género, ainda pode ser complicado decidir quando começar a usar essa casa de banho. E claro, pessoas não-binárias simplesmente não vão há casa de banho ^^ Mas falando a sério, é por causa destas complicações que grande parte das pessoas trans adquire infeções e doenças, já que optam por aguentar até chegar a um espaço seguro. 

Sugestão? Criar casas de banho género neutro. Idealmente, todas as casas de banho passariam a ser assim, mas mesmo que isso viesse a acontecer algum dia, não acho que fosse boa ideia fazer a mudança de repente. Era preferível ir construindo casas de banho neutras aqui e ali para permitir um período de adaptação. De preferência com paredes de cima baixo para ninguém se incomodar com os ruídos nem ter receio que "pessoas do outro género" espreitassem por baixo da porta. E, como são neutras, podem ser usadas inclusivamente por pessoas cisgénero, logo ninguém podia argumentar que era um investimento desperdiçado nem que seria pouco usado. 

Divisão de roupas por corpo, não por género:

Dois homens trans muito distintos,
Damin e Skye, [deste tumblr]
Refiro-me principalmente a duas coisas: uniformes diferenciados por "género", e à separação da secção masculina e feminina nas lojas de roupa. Para além de isso impedir que alguém se apresente como pessoa não-binária, pode complicar as coisas para pessoas trans de diversas identidades, que são obrigadas a explicar que o são caso queiram mudar de uniforme no trabalho/escola (no caso de tencionarem ser vistas de acordo com o seu género, não com o agab) e a fingir que não estão a comprar roupas para si caso não tenham passabilidade cis (no caso de desejarem usar roupas que não são esperadas pelo seu género designado)... embora algumas pessoas cisgénero passem por uma luta semelhante a esta última, o que só mostra que mudar esse sistema de organização beneficiaria muita gente.

Antes que alguém venha dizer que essa divisão é porque homens e mulheres tẽm formatos de corpo diferentes, a partir do momento em que há pessoas trans, isso não é assim tão linear, mas mesmo que fosse, apenas seria necessário que vestimentas iguais tivessem modelos disponíveis para vários corpos. Um uniforme com saia? A saia teria as medidas/proporções necessárias para assentar bem em corpos distintos, mesmo em homens cisgénero. Secções divididas por tipo de corpo? Seria uma forma aceitável de organizar, mas nesse caso nas várias secções seriam encontradas peças iguais (no sentido de mesmo modelo) - embora nesse caso mais valesse a pena ter os vários modelos da mesma peça todos juntos, com a etiqueta a indicar o tipo de corpo a que cada peça supostamente servia. 

Abolição da categoria de género no desporto/dança:

Keith, de Voltron, a alongar com um
binder. Arte de [Reneld Mcdenel]
Eu encontrei [dois][posts] que espelham quase na perfeição o que penso sobre o assunto, e foram o que me motivou a escrever este artigo.

Eu sei o que estão a pensar: Que os atributos físicos de homens e mulheres levam a performances diferentes nas diversas modalidades, e criam vantagens/desvantagens distintas. Mas, 1) esses atributos físicos dependem de várias coisas que não são propriamente as genitais de alguém, e ter certas hormonas pode ser mais significativo que os atributos associados a ser de certo sexo - daí se deixar que pessoas que estão há determinado tempo a fazer modificações hormonais participem de acordo com o seu género, não com o agab - 2) isso não explica como classificar pessoas intersexo, nas suas variadíssimas combinações biológicas, e 3) se o objetivo é equilibrar a competição por performance, porquê que a divisão não é literalmente essa?

Eu NÃO ENTENDO! Não dava simplesmente para fazer uma prova prévia (sim dá, ao contrário de género, isso é medível por entidades externas), ter noção do nível de habilidade física das pessoas antes da prova, e colocá-las no escalão ou lá o que fosse correspondente? Até porque faz muito mais sentido. Embora em média isso não se verifique, há mulheres mais fortes ou aptas para alguma atividade física que certos homens, então porquê que se agruparia essas mulheres com mulheres fisicamente mais fracas e se chama isso de competição justa?! Além disso, se é considerado o peso e são feitas segregações com base nisso, porquê que se assume uma série de coisas simplesmente com base de... nem é do género da pessoa, é do sexo e mesmo é mal feito. Segregação com base na aptidão física individual das pessoas faria muito mais sentido, resolveria muitas questões e pressupostos sexistas/transfóbicos/interfóbicos e tornaria a competição mais justa.

E não é só uma questão de segregação na competição. Há outras necessidades associadas, como ter balneários (não sei como se diz no brasil, mas refiro-me a changing rooms) género-neutro para quem não se sentisse confortável nos outros.

Sobre o assunto, eu destacaria estes dois artigos sobre G Ryan, ume nadadore de competição que é genderqueer e já conseguiu alguns avanços no que toca a direitos enby: [www][www]

Educação sexual:

Comic sobre sair do armário encontrada
em [www]
Convenhamos que, salvo raros casos, a educação sexual é bastante incompleta até para pessoas hétero-cisgénero-perisexo (perisexo = não intersexo). E que pessoas de qualquer orientação que não seja hétero são grandemente esquecidas. Mas em relação a assuntos trans (e intersexo, mas este post é sobre questões trans), é drasticamente pior, pois ainda não me chegou conhecimento de nenhuma aula sobre o assunto que não fizesse a associação entre certo sistema reprodutor e um dos géneros binários. O que exclui pessoas trans de imediato.

Mas isso não é só um problema de terminologia. Pessoas trans nunca aprendem como é que a disforia as pode afetar nos relacionamentos, que ninguém é obrigado a fazer o tipo de sexo esperado da partes de corpo que se tem (muito menos o típico PIV: Penis-In-Vagina) mas fazê-lo não afeta o seu género, como é o processo de modificação dos corpos (lembrando que é opcional) e como é que cada mudança específica pode afetar ter relações (porque sim, mesmo apenas modificações hormonais fazem o corpo reagir de forma diferente), não aprendem a proteger-se de doenças nem a prevenir a gravidez... (Como eu percebo mais sobre experiências trans afab, exemplos do que eu sei: algumas pessoas acham que tomar testosterona as impede de engravidar, até porque a maioria deixa de ter o período). Mas não só não aprendem nada disso, como têm a sua existência completamente ignorada. 

Saúde reprodutiva + Produtos menstruais + Apps inclusivas

Um rapaz e uma rapariga trans
vítimas de misgendering. Arte
encontrada em [transgenderarts]
Há clínicas de aborto que só permitem a entrada de mulheres, apesar de homens trans e pessoas não-binárias, numa percentagem relativamente grande, poderem engravidar e ter necessidade de abortar. Um grande número de pessoas não-binárias simplesmente "aceita" que essa é mais uma situação em que serão vistas como mulheres e ocultam o facto de ser não-binárias durante todo o processo, e alguns homens trans fazem o mesmo - mas e se a sua aparência não permitir que sejam lides como mulheres? Se apagar o seu género é mau, não poder ter um aborto seguro ainda consegue ser pior. E sim, eu acho ridícula a maneira como é dito que só mulheres têm lugar de fala em discussões sobre aborto, ou que reduzem o conceito de "aborto masculino" ao abandono de pessoas grávidas por parte dos pais. A discussão devia dizer respeito a pessoas que podem engravidar.

E idas ao ginecologista? Tal como com as clínicas de aborto, várias clínicas de ginecologia também estão restritas a mulheres, mas como já falei dessa questão, vamos adiantar outras: Grande parte des ginecologistas não sabe reconhecer doenças numa pessoa que tenha tomado testosterona, mesmo que os órgãos sejam os mesmos - eu não sei explicar, mas sei que há diferenças. Para além disso, não sabem o suficiente sobre questões trans, não conhecem sequer a terminologia médica - muito menos a social - atualizada e não sabem como tratar e referir pessoas trans. Pra culminar, são insensíveis ao facto de que um grande número de pessoas no espectro trans sente disforia em relação ao facto de ter uma vagina (chegando ao ponto de nem sequer a quererem usar em relacionamentos) e aumentam o stress e desconforto de um exame que por si já é desconfortável em mulheres cis, isto quando não é doloroso. E em quem toma testosterona, é capaz de ser mais doloroso ainda, dado que essa hormona seca a vagina e provoca outras modificações ligeiras.

Quanto à questão da menstruação, período é visto como uma coisa decididamente feminina - afinal, quando uma pessoa passa a ter o período diz-se que ela se "tornou mulher" - e a maioria das questões mestruais são explicadas por essa ótica. O próprio marketing dos produtos de higiene tem como público-alvo mulheres - embora vá ter sempre "piada" como só parecem querer saber das mulheres femininas e inundam de flores e de cores pastel publicidade sobre a fase em que qualquer pessoa só quer degolar quem lhe aparecer à frente e chorar a seguir. É que combina mesmo bem >.< Mas embora seja possível pessoas trans serem discretas quanto ao facto de ser trans na hora de comprar produtos menstruais (afinal, há homens que os compram para mulheres cis), não é fácil lidar com o conhecimento de que estes apenas foram pensados em mulheres, muito menos quando as aplicações usadas para anotar quando se está com o período (assim como os respetivos sintomas) relembram constantemente desse facto. Felizmente, a questão da menstruação está a melhorar rapidamente, já havendo marcas trans-inclusive como [estas][ou estas] e uma app, [clue] verdadeiramente inclusiva, completa e que não assume sequer que as usuárias mulheres adoram coisas femininas, tendo uma palete bem neutra. Já agora, questões trans não são as únicas razões para parar de chamar produtos mentruais de "produtos de higiene feminina", e gostei da maneira como [este artigo] expôs a questão.

Direito a alterar os seus corpos sem ser classificadas como doentes:

Pessoa não-binária válida de
uma coleção de [i love broccoli]
Em quase todos os países onde é permitido a pessoas trans fazerem alterações físicas, é exigido que apresentem um relatório de "diagnóstico de perturbação de género" ou outras frases que implicam que a pessoa é doente. Ser trans deixou há poucos meses de ser considerada uma doença mental, contudo, foi movida para a mesma secção onde se encontra a pedofilia e outras coisas que... bem, não têm lá muito a ver. Não sei até que ponto se pode chamar isso de progresso. Em todo o caso, a exigência mantém-se em muitos lugares.

Autonomia sobre o próprio corpo? O que é isso, é de comer?

Algumas pessoas receiam que a depatologização levaria as intervenções médicas a serem consideradas apenas uma medida cosmética, quando é muito mais que isso - afinal, trata-se de resolver problemas de disforia, e isso ainda afeta a maneira como pessoas trans sentem que o seu corpo reflete o seu género e a maneira como a sociedade assume o género delas, algo que pode até ter certa urgência. Porém, tanto quanto sei (a informação sobre o assunto é escassa...), a laqueação das trompas não é considerada uma doença mas nem por isso deixa de ser tratada como uma necessidade médica de grande impacto na vida das pessoas. E embora até aí hajam sempre médicos chatos que querem escrutinar a razão que leva alguém a fazer isso, por vezes recusando-se a operar, num caso ou noutro a pessoa não tem de argumentar para ser considerada doente. Seja como for, eu odeio essa exerção de poder - mesmo que alguém possa vir a arrepender-se, não acho isso razão que chegue para a pessoa ser impedida. Caso contrário, todas as decisões de peso deviam ser proibídas.

Cuidados médicos gerais:

Representação de como uma pessoa
andrógina é e se vê, vista em [www]
Simplesmente poder ir ao médico sem ser humilhade e sem ter de educar os próprios médicos sobre as implicações de ser trans - principalmente no caso de transição física - ao nível da saúde. 

Como assim? 

Quanto à questão da humilhação, refiro-me a coisas como ser chamado pelo deadname (nome de registo) e uma pessoa com barba ter de se levantar perante um nome como Ana, ficando toda a gente a olhar. Isso depois de já ter tendo mudar o nome no sistema médico umas 3 vezes. E ter os médicos a tratar a pessoa pelos pronomes de acordo com esse nome, principalmente pessoas que não tenham feito modificações corporais e/ou que sejam não binárias.

Sobre a questão de educar os médicos, há médicos que se recusam a tratar/diagnosticar/wtv pacientes trans porque dizem que não sabem como fazer isso, às vezes mesmo quando a pessoa não fez qualquer modificação física e lhes tenta explicar tal. Mas a obrigação dos médicos era pelo menos tentar ou reencaminhar os pacientes. Outros não percebem nada do assunto, mas não o dizem, recomendando coisas que poderiam provocar efeitos secundários com, por exemplo, as hormonas que a pessoa toma. E os médicos mais prestáveis, que sabem pouco mas tentam, têm de ser leccionados pelos próprios pacientes.

Representatividade:

Dicas para referir pessoas trans
Eu falo bastante sobre representatividade no blog, mas aqui algumas sugestões de medidas específicas que podiam ser demonstradas. Se alguém quiser um guião básico sobre como tratar personagens trans no geral, eu acho que o da Riley [www] é bastante acessível. Mas vamos às sugestões específicas...
  • Encarnar personagens trans em jogos: Em jogos RPG, no menu de criar personagens, em vez de se ter "género" e dar duas opções, isso podia ser dividido em duas coisas: "corpo" - dando pelo menos as duas hipóteses clássicas (se eram personalizáveis ou não, isso dependia do jogo) e "pronomes" - com pelo menos 3 opções (seria interessante ter também a hipótese "random", para o caso de alguém querer jogar com uma personagem genderfluid ou uma personagem trans que lidava constantemente com misgendering, por sentir que isso era mais realista). O género propriamente dito podia ficar à interpretação de cada um. Porquê que isso é necessário? Porque ainda não há nenhum RPG de jeito onde pessoas trans possam criar uma versão sua num mundo de ficção/fantasia, e um dos objetivos de vários jogos é precisamente permtir a jogadores que o façam. 
  • Ter mais do que uma personagem trans: Isso não é necessário, mas tem imensa utilidade para demonstrar que nem todas as pessoas trans são iguais ou partilham as mesmas ideias/experiências/identidades. Sempre que um autor quiser mostrar que não vê um grupo de pessoas como um monólito - até com mulheres - deve ter pelo menos duas personagens do grupo representado. Mais do que isso, as personagens devem interagir (isso até permite criar relações de suporte ou de conflito de opinião, o que tem sempre algum interesse), até porque não seria realista uma pessoa de um grupo não conhecer ninguém "igual" a si - vocês perceberam, certo? 
  • Mostrar corpos trans: mostrar peitos com cicatrizes porque os seios foram removidos, mostrar mulheres sem peito ou com pernas consideradas "demasiado masculinas" para usar saias, mostrar pessoas que fazem todo o tipo de cirurgias, mostrar pessoas que não fazem nenhuma, mostrar pessoas que tomam hormonas mas não fazem cirurgias ou vice-versa, pessoas que são mulher mas têm barba, pessoas que são homem mas têm cabelo longo, pessoas que se vestem de acordo com os estereótipos de género associados ao género com que se identificam por variadas razões, pessoas trans que se vestem de acordo com as roupas associadas ao agab porque não se sentem confortáveis com outras e ninguém é obrigado a acatar estereótipos de género se não quiser... Afinal, representatividade implica que personagens do grupo representado apareçam
Este tópico é demasiado grande - daí eu ter deixado para o fim. Pode ser que um dia faça um guia mais completo sobre representatividade trans.

E pronto, o tema do post era esse. Se não tiverem percebido o que disse em alguma parte do post, ou o porquê de o tópico ser necessário, é só dizer. Já agora, eu gostava de ter apresentado fontes para vários factos que mencionei, mas não tive tempo para mais nada. 

Comentar com: ou

Sem comentários:

Enviar um comentário

Regrinhas - não diga que ninguém avisou: [www]
Este blog é um safe-space, mas também um espaço educativo e de conversa.