J.K. Rowling já foi ultrapassada pelos fãs há milénios


Ohayou, sapinhos ^^ Tenho a certeza que repararam no novo layout, que realmente me deu muito gosto fazer - afinal, há tempos que não fazia layouts temáticos, e o tema deste e a personagem Phos de Houseki no kuni, que resenhei [aqui] e está no meu top de animes e mangás favoritos. Eu sei que não posto nada há séculos, e penso que o espaçamento entre postagens continuará a ser enorme por muitos mais meses - culpem a faculdade. Tenho imensos posts quase prontos nos rascunhos, mas nem  sempre tenho energia para os acabar, e estou a aproveitar esta semaninha de férias da faculdade para pôr algumas coisas em dia, daí o blog também não ter sido o meu foco. Sábado ou domingo vou tirar um tempo para comentar nos meus bloguinhos mais amados, então acreditem que não deixei de estimar ninguém :3

Este basicamente é um post bem pissed com as atitudes que a autora de Harry Potter tem denotado nos últimos anos. Caso eu esteja a parecer muito bruta, talvez seja melhor começarem pela segunda metade do post. Irei listar e comentar algumas das atitudes mais desrespeitosas que tenho visto da parte dela - e preparem-se, porque eu gosto de fazer posts completos - e comentar a ironia de Harry Potter ter sido dos livros mais responsáveis por adultos mente aberta.

Críticas
Visão conservadora: Vou começar com o problema mais leve de todos, que até podia ser removido da lista. Se os livros de Harry Potter forem observados com um mínimo de atenção, é fácil ver como a autora tem uma visão super tradicionalista. Ela tem toneladas de casais nas suas histórias, mas TODOS são casais hétero, que casam, têm filhos, e frequentemente o pai trabalha e a mãe fica em casa. Mesmo as personagens que muita gente imaginava que pudessem ser queer - como Tonks, aquela que muda de cor de cabelo e muita gente gostava de pensar que era genderfluid - acabou num papel desses. E a pessoa com quem ela casou, o Lupin, fazia um ship tão famoso com o Sirius que mesmo sites que rejeitavam imensos ships como improváveis antigamente aceitavam esse: [www]

Única personagem gay morta: [www www] A única personagem lgbt+ oficial em TODAS as coisas escritas pela autora é o Dumbledore, e isso nem sequer foi dito nos livros. Isso quer dizer que muita gente ainda não sabe, e que pessoas queer não se puderam ver representadas. Sure, na altura em que os livros estavam a ser escritos poderia ter sido complicado para a JK deixar isso explícito, mas não seria assim tão difícil deixar pistas, como muitos autores faziam - em vez de tudo ser descrito de modo a que ele e a McGonagall fossem shipáveis. Para completar o combo, isso foi dito após a personagem ser morta e a série ter sido finalizada. É uma maneira original de atingir a trope Bury your gays, suponho... Ao menos não matou uma lésbica com uma arma de fogo, até porque não tinha nenhuma para matar. [Aqui] uma abordagem um pouco menos direta.

Concordância de tweet transfóbico: [www][post explicativo] Vou dar à autora o benefício da dúvida à autora neste ponto, pois toda a gente acaba por fazer gosto ou partilhar coisas com as quais acha que concorda, por não ter lido na íntegra - talvez a JK achasse que estava apenas a concordar com um post feminista, e não com uma mentalidade de TERF (trans exclusionary radical feminist)... mas carago, é preciso ser-se denso OU extremamente desinformado para não perceber isso a partir de qualquer excerto, e ela tem de ter lido alguma coisa para partilhar. Basicamente, ela concordou com um tweet que era precisamente sobre como mulheres trans não apresentam menos perigo para mulheres cis do que homens cis, e portanto deviam ser banidas de espaços femininos. O irónico é que volta e meia a autora decide ficar bem na fotografia e defender direitos de minorias sociais, trans inclusivamente, mas é só isso, porque se realmente abrisse a boca, não ia dizer nada de jeito. Ela é o tipo de pessoa que diz "temos de respeitar pessoas trans", mas como? Não faz ideia. Portanto são só palavras bonitas.

Desrespeito por populações indígenas: Ela criou uma história que apresentava a escola de feitiçaria norte-americana, mas pegou em partes importantes e que já são desprezadas que chegue das culturas em que se baseeou e acomodou-as para servir o mundinho delas. Eu fiz um post sobre apropriação cultural [aqui] - mais concretamente, o post ajuda a perceber onde estão os limites entre apropriação cultural e apreciação cultural ou inspiração, e como [esta pessoinha] bem disse, o que Rowling fez foi sem dúvida apropriação. Todo o tipo de populações indígenas das quais fala são tratadas como um monólito: com as mesmas crenças, os mesmos costumes, o mesmo comportamento, dá até para dizer que a personalidade de todas é "indígena": [www]

Destruição de headcanons lgbt+: Ao bocado eu mencionei a Tonks. A autora afirma que o Charlie está mais interessado em dragões do que mulheres, mas nunca afirma que ele possa ser gay ou assexual/arromântico [www]. Mas que tal falarmos do Sirius Black? [www]. Ela parece ter um gosto muito grande em oficializar o facto de que as personagens na obra dela não são queer, e é capaz de repetir isso o tempo inteiro. Tudo bem, as personagens são dela e ela pode não gostar que sejam vistas como alguém diferente de quem ela imaginou - se bem que para isso não escrevia livros - mas ela não deixa um único headcanon vivo sequer. O que mais me preocupa é que já é difícil pessoas terem headcanons lgbt+ quando os autores/produtores decidem "deixar aberto à interpretação" pois, devido à maneira como pessoas lgbt+ são vistas, quem não partilha desses headcanons costuma zombar bastante dessas interpretações, considerar que os fãs estão a exagerar e a tornar tudo demasiado gay. Com uma confirmação oficial, não vão dar paz a ninguém. Ao menos isso levou à tag #JKPartyIsOver

Queerbaiting em Cursed Child: Basicamente, Scorpius e Albus (o primeiro é filho do Malfoy e o outro é filho do Harry) são amigos muito, muito próximos em Cursed Child, e há imensas passagens que podiam ter sido perfeitamente aproveitadas para fazer deles um casal (a sério, uma personagem compara a relação deles com o que o Snape e a Lily tinham!... [mais algumas]) e finalmente ter uma representatividade bem aceitável na peça de teatro. Mesmo quem não percebe muito de representatividade ou lgbt+ notou ali um climinha. Mas não, claro que não: Scorpius convida a Rose (filha da Hermione e do Ron, com quem quase não teve interações) para um encontro e os fãs foram acusados de ter imaginado coisas - porque um relacionamento próximo entre homens que se salvam e permanecem juntos contra a aprovação dos pais obrigatoriamente tem de ser entendido como amizade, mas duas pessoas que quase não falam dão um par romântico muito mais plausível na cabeça da escritora. Sim, amizade entre homens é um coisa linda e importante para combater a masculinidade tóxica, e seria chato se realmente todas as relações próximas virassem um romance, mas tal ainda não se verificou com nenhuma - muito menos no universo de HP - e penso que relacionamentos queer não são menos dignos de ser representados. Ai, tantas tropes, tanta ignorância... Se não sabem o que é queerbaiting, ou se querem perceber melhor a polémica, aqui estão recomendações de artigos: [www www www]

Whitewashing prevalente: [www] Ter uma atriz negra a fazer de Hermione na peça Cursed Child fez muita gente racista descontar na JK, mas a ideia nem foi dela - nem sequer da peça, pois muito antes desta haviam toneladas de headcanons onde as personagens de HP não eram brancas - no caso da Hermione seria perfeitamente plausível que ela fosse negra nos livros, pois sabe-se que o cabelo é frisado e tem olhos castanhos. Acrescentaria imenso à personagem: [www - tirado de www]. Contudo, a autora também NUNCA AFIRMOU que a personagem não era branca - pelo contrário, ela nega isto, mas descreveu por duas vezes que tinha pele branca sim - e contudo age como se tivesse sido ela que criou uma Hermione negra, porque lhe compensa mais ter uma personagem para clamar que não é racista. Claro, a autora "não tem nada contra", mas também não se esforça muito por dar representatividade a pessoas não brancas. É o tipo de pessoa que não toma partidos, não percebendo que isso só dá poder ao lado opressor... Até na escola americana que criou tem imensa gente branca e se manteve mais fiel ao colonialismo do que às culturas colonizadas. Nos livros, entre únicas personagens não brancas que são mencionadas com papel temos a Cho Chang - que é chinesa mas tem dois ultimos nomes coreanos, e claro que estaria em Ravenclaw, porque asiáticas são inteligentes, para além de só servirem como interesse amoroso [www]. A namorada do Ron no livro Half-blood prince, Lavender Brown, era negra nos livros, mas nos filmes, ao ganhar um papel mais relevante, foi escolhida uma atriz branca. Até em termos metafóricos, não são só as "personagens más" que propagam a superioridade racial/de uma dada linhagem: personagens bastante amadas, inclusivamente o Harry, olham para os Muggles como se eles fossem inferiores e idiotas. Os elfos domésticos são escravos que não querem ser livres. O Hagrid é tratado como burro por muita gente por ser meio gigante, e só as personagens "boas" é que conseguem ser amigas dele. Os goblins que tomam conta dos bancos são versões paralelas dos judeus do nosso mundo, ou pelo menos do estereótipo de judeus ricos [www]... Como cereja no topo do bolo, as metáforas são utilizadas para a autora poder afirmar que é contra o racismo, mas por essa lógica, haveriam mais personagem de cor (POC) de modo a demonstrar que a cor de pele não é realmente um problema - quando o que se verifica são apenas 6 minutos de diálogo por parte de quem não é branco: [www

Invisibilidade de Dumbledore como gay em Fantastic Beasts: [www www www] Eu ainda tenciono dar um voto de confiança à autora neste ponto: Já foi confirmado que o facto de o Dumbledore ser gay não vai constar no segundo filme, mas isso foi dito numa entrevista sem a JK (que adora agir como se não influenciasse em nada os filmes), mas ela não negou que poderá aparecer mais à frente. Continua a ser algo incrivelmente estúpido, considerando que o segundo filme vai abordar mais sobre o passado do Dumbledore e do Grindelwald, o tal feiticeiro horrível e poderoso que foi a crush do Dumbledore em criança - se isso não é relevante para caraterizar a personagem e reforçar o quanto uma relação tão próxima acabou em rivalidade, eu não sei o que é. 

Cast de Johnny Depp em Fantastic Beasts: Este deu taaaaanta polémica... Foi provado que o ator era violento com a mulher, Amber, por muito que este negasse. Não, ela ser bi e ter amigas lgbt+ que podiam suscitar os ciúmes do Depp não seria desculpa para bater nela, ao contrário do que muita gente disse. Não, ela não estava à procura de dinheiro até porque doou todo o dinheiro do divórcio a associações. E embora a atriz não tenha desejado mal ao ex-marido, também não disse que queria que ele tivesse um papel principal numa das maiores franquias do mundo, ao contrário do que a J.K. disse: [www]. É até irónico a autora ignorar isso considerando que ela própria foi vítima de violência doméstica. Claro, o ator continua a ser bom. O diretor dos filmes afirma que “With Johnny, it seems to me there was one person who took a pop at him and claimed something. I can only tell you about the man I see every day: He’s full of decency and kindness, and that’s all I see. Whatever accusation was out there doesn’t tally with the kind of human being I’ve been working with.” - isso está basicamente a dizer que não acredita que ele tenha cometido violência doméstica e a dizer que está disposto a fechar os olhos aos problemas. O segundo filme teria sido uma nova oportunidade para trocar de ator, mas foi recusada. Na parte 2 de Deathly Hallows, expulsaram um ator que fumava cannabis. Violência doméstica é um crime assim tão menor em comparação? [www]

Gordofobia esmagadora: Este ponto é pouco falado, mas TODAS as personagens gordas no universo de Harry Potter (incluindo sequelas) fazem o papel ou de idiotas, ou de alívio cómico. Muitas vezes, são também muggles, que tendem a para além de assumir ambos os traços que mencionei atrás, ser personagens desprezáveis. Nenhuma tem uma representaividade boa, e embora o filme Fantastic Beasts tenha pelo menos dado um papel relevante e trabalhado a personagem Jacob, esta ainda continuou a propagar uma personalidade um quanto cómica. Grande parte dos Muggles que atormentam o Harry nos livros, como o tio e o Dursley, são gordos. Os amigos do Draco Malfoy são idiotas e fáceis de manipular... e gordos (bónus: no primeiro volume são distraídos com doces). O Neville era gordo nos primeiros volumes, e bastante "lerdo" - ora, é verdade que ele se tornou quase um protagonista, mas também se tornou mais magro, como se inteligência/força/coragem e magreza fossem diretamente proporcionais. Talvez a exceção seja a Molly, mas o único papel que ela tem é "mãe" - não que esse seja um mau papel. Na verdade, não tem problema que hajam personagens gordas que sejam engraçadas ou idiotas... o problema é serem o único tipo de personagem gorda que existe. O problema clássico de má representatividade. Se acham que alguma pessoa gorda se identificou com as personagens gordas em HP, pensem melhor: [www]

Metáforas idiotas para doenças incuráveis: O Remus Lupin, o lobisomen que era amigo do pai do Harry e mais tarde foi professor deste, foi confirmado como uma metáfora para pessoas com HIV [www]. As intenções eram, como de costume, boas: a autora pensou que podia usar isso para fazer um paralelo com condições incuráveis (já que Lupin nunca conseguiu deixar de ser lobisomem) e com o preconceito com que essas pessoas tinham de lidar. Mas foi uma escolha um bocado ofensiva, como dito [aqui]: Lupin, em si, é considerado "o bom tipo" de lobisomem, a exceção à regra. Nos livros, há imensas menções e papéis dados a lobisomens cujas críticas se encaixam na perfeição, sendo brutos e cruéis - se o objetivo era "criticar as críticas", ou seja, denotar que o medo dos lobisomens era um estigma infundado, não me parece que a autora tenha cumprido bem esse objetivo. Adicionalmente, a razão pela qual Lupin era considerado um bom lobisomem não consistia só na sua personalidade - consistia no facto de ele se afastar das pessoas para quem apresentava uma ameaça. O quê que isso quer dizer, Rowling? Que pessoas com SIDA se devem afastar de quem amam, porque ameaçam contagiá-las?


Como foi dito [neste post] maravilhoso, JK Rowling é biscoiteira. Isso faz dela uma má pessoa? Claro que não. Mas em parte, o problema é mesmo esse: Ela é uma boa pessoa que ficou estagnada no tempo, o que dificulta tudo, pois as suas intenções não casam com as suas ações. Não saber não é desculpa, pois muitos dos fãs dela sabiam menos que a autora na altura em que leram os livros, e entretanto aprenderam imensa coisa sobre representatividade, inclusividade e respeito. É disso que vou falar a seguir:

Wizard activism
Eu no começo do post afirmei que a série de livros de HP é grandemente responsável por terem surgido tantas pessoas mente aberta, que sabem como é importante respeitar os outros, e disse que isso era irónico. Sinceramente, a ironia é tão grande que, embora os livros tenham sido o pontapé inicial de toda essa gente, as coisas que os fãs aprenderam mais tarde não alcançaram a autora... daí o título do post. Quando digo que os fãs chegaram longe nestes últimos anos, refiro-me a algo tão impactante que levou à criação do movimento Wizard Activism que, ao contrário de muitas organizações por aí, não diz coisas bonitas só para ficar bem na fotografia.


O trabalho desses fãs é verdadeiramente competente e inclusivo, e ilustra perfeitamente como é possível fazer a ponte entre fandoms e ativismo, a par com a importância da representatividade. A página oficial é [esta], [esta] página relata atualizações em relação ao movimento, sendo que este também é conhecido como Harry Potter Alliance. Há até [lições] disponíveis para garantir que nenhum ativista do movimento cai lá despreparado!A primeira vez que ouvi falar do movimento foi [neste vídeo], onde um fã foi falar da intersecção das suas experiências enquanto rapaz trans e o seu papel nesse movimento, e isso realmente fez-me perceber que as palestras que têm lugar não são só coisinhas balofas e insignificantes. Sinceramente acho que é mais eficaz recomendar esse vídeo do que listar aqui todas as coisas que o movimento faz (até porque me iria perder a tentar pesquisar sobre todas), principalmente porque o palestrante já inumera um bom número delas e demonstra bem o quanto uma pessoa consegue aprender ao envolver-se com movimentos assim. 


Já comentei que reparei recentemente que todos os layouts que fiz para este blog foram em variações de azul e dourado? >.<

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