{resenha} Eu achava que o filme "Alita" só seria bom pelos efeitos...


Well damn, finalmente reapareci. Nem sei por onde começar a contar, pois já estou a fazer estágio curricular (lá para julho termino o curso) e isso é praticamente trabalhar e ter aulas ao mesmo tempo, portanto claro que não tenho conseguido aparecer aqui - diga-se de passagem que estou a gostar mais de estar na empresa que nas aulas xD Também me tenho mantido firme com duas resoluções, ler Wheel of Time, e o meu projeto de transformar sims num jogo de fantasia medieval muahahaha. Neste momento estou a tentar recriar Skyhold, de [Dragon Age Inquisition], e aproveitei para continuar o mapa dos 9 andares que tinha começado a desenhar há mais de um ano. As minhas ideias estão cada vez mais ambiciosas e é possível que disponibilize os builds, se bem que algumas pessoa terão de diminuir bastante os gráficos e não sei se conseguirei dizer onde encontrei todo o CC usado. 

Vi Alita há duas semanas atrás e nunca desejei tanto ver um filme uma segunda vez no cinema, pois os efeitos são tão, mas tão bons, que ver isto em casa será uma desilusão comparativamente às memórias que tenho. Mas quando fui ver, ainda não tinha assistido a nenhum dos trailers completos e não esperava muito mais que uma história meh com efeitos cativantes. Pois bem, enganei-me redondamente. Alita é adaptado de um mangá que tem uma protagonista tão fabulosa que nem sei como é que tantes supostes feministas falam mal (oh wait, grande parte  fala mal porque não foi ver, afinal acham que "ela parece uma sex doll" ou que suportar a Capitã Marvel implica não suportar Alita pelo simples facto de a maioria dos homens preferir Alita) e, pelo que parece, este filme - que terá continuação - só adapta os 4 primeiros volumes do mangá, ou seja a parte mais desinteressante da história. Se isto é desinteressante e Alita não é uma protagonista humanizada e bem concebida, eu não sei o quê que as pessoas entendem por isso, fogo. Sure, eu não aprovo a quantidade de gente que anda a insultar mulheres feministas como SJWs, mas sinto que a noção do que é uma boa personagem feminina está cada vez mais rígida e questionar esse conceito será o tema do próximo post. Agora, vamos à resenha (não tem spoilers, apenas hints)...

Parte técnica:
  • Sinopse: Num futuro distante, humanos e ciborgues convivem no mesmo mundo. Nas suas buscas por sucata na Cidade de Ferro, o Dr. Ido (Christoph Waltz) encontra os restos de uma jovem ciborgue, ainda com atividade cerebral, descartados por Zalem, a cidade flutuante. Reconstruída e batizada de Alita, ela ignora as regras de sobrevivência de seu tutor e, ainda sem memória, revela um surpreendente talento para o combate em ruas traiçoeiras e no violento desporto Motorball. Tal habilidade atrai a atenção dos poderosos Vector (Mahershala Ali) e Nova (Edward Norton), preocupados com as descobertas da jovem guerreira sobre seu passado.
  • Produzido por: James Cameron (Titanic e Avatar)
  • Obra original: Mangá "Gunnm", criado por Yukito Kishiro, o filme cobre os primeiros 4 volumes
Comentários:
Vou dividir a crítica em 3 partes: O filme enquanto adaptação do mangá, o que achei da filme enquanto obra própria e história apresentada e o que achei da representatividade

1) O filme como adaptação de um mangá

Se alguém já viu uma única adaptação de um mangá, anime, desenho animado ou até jogo sabe quão desastrosas essas adaptações tendem a ser, por essencialmente duas razões: Por um lado, um filme não basta para captar a complexidade da obra original; Por outro, porque tentam alterar a personalidade das personagens e tudo o que consideram excessivo no original de forma a tentarem enquadrar isso nos ideais ocidentais, e isso leva à perda de tudo o que atraiu os fãs da obra.

Pois bem, Alita não tenta cometer nenhum desses erros. Como já mencionei, só são adaptados os 4 volumes iniciais, e portanto não foi comprimido em poucas horas mais plot do que seria aceitável sem cortar cenas importantes. Não vale a pena elaborar mais este ponto, foi uma decisão bem feita.

Quanto ao segundo aspeto, eu diria mesmo que a adaptação abraça as tropes e caraterísticas que tornam animes... bem, anime. Abraça as lutas completamente irrealistas, os olhos de anime aproveitando o facto de Alita ser cyborg como desculpa para lhe dar esses olhos, o mundo é bastante fiel ao do mangá e capta a típica mistela de culturas que animes entendem por diversidade (em vez de se notar uma separação rígida entre as culturas que convivem entre si), o ritmo também é adequado... Há literalmente uma cena em que Alita corta uma lágrima sua que estava a cair com a espada - é possível gritar mais anime que isso? xD

Mesmo as coisas de que as pessoas se queixam - os diálogos um bocado pobres, o romance um bocado infantil e inocente, a quantidade de tempo dedicada às lutas e ao desporto Motorball que podia ter sido usado para apresentar mais do mundo, o facto de Alita mal perder uma luta que seja... - são fiéis ao mangá: pelo que ouvi dizer, pelo menos, é suposto este romance falhar da forma que falha porque no mangá isso é usado para depois demonstrar o amadurecimento dos relacionamentos de Alita, e é comum nos mangás a jornada das personagens ir ou de muito poderosas para mais tarde começarem a levar cacetadas, ou de useless para overpowered. Isso, e quanto a história foca nas batalhas, o máximo que se pode obter de quaquer outra coisa é através de flashbacks. Então lá está, eu não li o mangá mas acredito sinceramente que o filme esteja fiel, em parte graças ao pouco que ouvi dizer (mais [aqui] - e ao menos este vídeo não é feito por alguém que insulta feministas).

Isto dito, parece que o nome da personagem do mangá é Gally? Hum, eu acho mesmo que ainda vou ler o mangá.


2) O filme enquanto obra própria e história independente

Começando por aprofundar o contexto dado pela sinopse: Zalem é a única cidade flutuante que resta, onde só certas pessoas podem viver, pois todo o resto do planeta vive condensado no que os habitantes descrevem como uma "lixeira humana" - e de certa froma é mesmo uma lixeira, pois a cidade flutuante deixa cair o que não quer numa pilha em baixo de si. Sendo assim, culturas do planeta inteiro - pelo menos, as que sobreviveram - estão condensadas na cidade não-flutuante da Terra, e é notório como essas culturas se misturaram. Por muito que me oponha a [apropriação cultural] e assim, dado o contexto da história não consigo simplesmente não achar belo essa fluidez entre culturas e costumes, por exemplo, há uma rapariga secundária que é asiática e tem um penteado afro, e esse é um exemplo de uma personagem. De facto, a diversidade dos habitantes é tanta que apesar da trope Black Person Dies First, isso acontece com personagens secundárias e há várias na mesma posição que elas (embora eu lamente que a única personagem negra relevante seja o vilão, vou dar a desculpa de isto ser a adaptação de um mangá um quanto antigo).

O forma como Alita não tem memórias da sua antiga vida levou a momentos muito interessantes: A pressão feita pelo seu "pai" para recomeçar de novo, já que nem toda a gente tem essa oportunidade, parecia quase algo razoável, mas até ele tem de aceitar que Alita não é a menina que ele esperava e sim uma guerreira com uma missão, que só será verdadeiramente feliz se puder ser verdadeiramente ela própria. As cenas em que Alita adquire mais memórias, e a forma como ela incorpora as suas descobertas nas suas ações, servem para tornar a personagem cada vez mais complexa e misteriosa.

O facto de Alita nunca perder verdadeiramente uma batalha - algo de que muita gente se queixou alegando, e até certo ponto concordo, que isso a faria aprender com a derrota - reforça a dor da perda (não vou dizer de quem/o quê para não dar spoilers), pois fá-la sentir que por muito bem que ela lute, isso não salvará o que ela ama. A única luta que ela perde serve para ela ser praticamente recompensada com o que queria ter, o que retira a sensação de perda - mas como as batalhas levam ao culminar de algo que lhe custa muito, acho que pode ser encarado como algo positivo.


Motorball é simplesmente genial, especialmente por ser jogado por cyborgs e mal ter regras. Mas o mais interessante é a promessa que paira no ar durante grande parte do filme de que o vencedor do campeonato poderá ir para Zalem - a cidade especial que paira acima da Terra, que supostamente tem muitas melhores condições e toda a gente deseja - promessa que, como mais tarde descobrimos, é de facto cumprida. Mas talvez não da maneira esperada...

Tenho de concordar com vários críticos num problema relativamente aos combates: Em TODAS as batalhas, a forma como estas terminam é tendo a Alita a lutar contra os inimigos um a um. Eles estão todos juntos e a rodeá-la, mas atacam à vez, e isso não faz qualquer sentido. Claro que se percebe que era suposto ela vencer aquelas batalhas, e mesmo assim os desafios enfrentados pela protagonista são interessantes. Mesmo o facto de o vilão "principal" só enviar grupos pequenos para a atacar de cada vez, quando sabe perfeitamente onde é que ela mora e o que faz no dia a dia ao ponto de não ter qualquer dificuldade raptá-la é um claro exemplo de história manipulada para permitir que Alita vença, mas enfim. São histórias, quase todas fazem algo deste género e em mangás isso é particularmente comum. A exceção seria a luta no bar, que deu um gosto imenso de ver >.<

Nunca chegamos a ver nada de Zalem e embora isso contribua para criar uma aura de mistério e temor em torno da cidade, e faça sentido dentro do número de volumes adaptados, teria sido mais interessante saber um pouco mais. Nem que fosse através do Dr. Ido, que claramente deixou muito por contar à Alita.


A história do Dr. Ido, aliás, é interessante, tanto pelas suas próprias perdas, como pelo que descobrimos sobre a filha que ele já teve e o corpo que inicialmente dá à Alita. Para além disso, ele não só é médico como um autêntico artista, e aceita o crescimento de Alita de uma forma que me pareceu muito correta. De facto, ele faz alguns dos comentários mais feministas que eu já vi, mas mais sobre isso no ponto 3 ;)

Muita gente fala mal do romance e principalmente da personagem do Hugo, mas eu sinceramente não consigo concordar com as críticas. Sim, as personagens têm momentos intensamente lamechas, mas riem-se dessa lamechice e as coisas ditas acabam praticamente por se concretizar à sua maneira, portanto dá para dizer que o que parecia um romance leve, cliché e inocente serve como foreshadowing do que vai acontecer, e essa inocência, por ser tão extrema, engana muito bem. [Exemplo em spoiler] Ela literalmente precisa de dar o seu coração ao Hugo, quando a única maneira de o salvar é conectando a cabeça dele ao coração dela [Fim do spoiler]. E não achei a personagem do Hugo tão useless quanto dizem (para padrões humanos), nem manipulativa, pois ele acaba por mais tarde tentar abandonar o que estava a fazer de errado por causa da Alita, e eu acho injusto como protagonistas de redemption narratives (sim, ainda estou a falar do Hugo e do arco dele) são criticadas - o quê, ninguém vai a tempo de mudar? Ter errado alguma vez na vida implica manchar a pessoa para a vida toda? Uma coisa é assumir responsabilidade pelo que foi feito, outra coisa é ter negadas as oportunidades de melhorar por causa disso.

Por fim, e embora isto seja spoiler é sobre uma coisa que não tem nada de importante mas sim apenas engraçada, há uma cena em que a personagem come chocolate e eu achei pertinente a observação do meu pai, ainda que cómico ele reparar nisso: no século em que a história se passa, o século 26, muito provavelmente já não vai existir chocolate >.<


3) A representatividade feminina

Pelo trailer, muita gente disse logo que a protagonista parecia uma sex doll e não foram ver o filme porque, constantando isso e vendo que ela era cyborg, acharam logo que a Alita seria mais uma encarnação da trope Born Sexy Yesterday - uma trope em que personagens femininas competentes são inocentes ou estão deslocadas no nosso mundo (por serem robôs recém-criados, índigenas ou aliens) e se apaixonam pelo homem que as guia, mesmo que enquanto isso ele se aproveite delas, porque são o primeiro ou único que elas conhecem. Pois bem, como é dito no link  sobre o mangá, a Alita opõe-se firmemente a essa trope e até há um capítulo spin-off que mostra precisamente como é que a história teria sido se ela se conformasse com isso, literalmente um capítulo onde ela é mostrada como uma menina bonita, uma bonequinha que aceitou as recomendações e vontades do "pai", largou o seu propósito e desejos e passou a depender dos homens da sua vida, praticamente. A Alita que nós conhecemos é o oposto disso, havendo mesmo cenas de confrontação direta entre ela e quem quer que a tenta controlar ou limitar - e isso inclui, como eu já mencionei, o pai dela. O Hugo nunca a tenta limitar, sinceramente. Ela não deixa que ninguém se aproveite dela, e a sua inocência em relação ao mundo não é explorada, nem permanente. Além desses pontos, essa inocência inicial é associada à perda de memórias e à idade, ambos fatores que não são permanentes. Vale ainda lembrar que na trope mencionada, a história é narrada do ponto de vista do protagonista masculino, não o contrário, enquanto que em Alita é ela que manda na sua própria história. Ela é o sujeito e não o objeto, e não permite que ninguém ponha isso em questão.

É comum interesses amorosos femininos servirem o desenvolvimento dos protagonistas homens, mas aqui acontece praticamente o contrário, num evento que não vou revelar por ser spoiler. Então gostei de ver o reverter dessa trope.


Depois de uma dada batalha, dá para considerar que a Alita cresceu e até o seu corpo cyborg foi modificado de modo a retratar isso, não posso revelar como nem porquê. Mas enquanto que muita gente criticou a forma como "a câmara deixou bem claro que os seios dela cresceram", eu não creio que isso seja assim tão sexualizado, pois ela ainda assim tem muito menos peito e curvas que várias protagonistas femininas por aí - tem um corpo até certo ponto atlético, eu acho, e roupas pouco reveladoras embora ela nem tenha pele para revelar - e não é como se ela estivesse nua, pois o corpo de cyborg dela serve de corpo e roupa/armadura ao mesmo tempo. A maioria das poses dela também não são nada sexualizadas, nada de "boobs and butt" ou outras poses desse género [www].

Um dos comentários mais explicitamente feministas do filme que eu notei, mas que por alguma razão não vi ninguém comentar, proveio do Dr. Ido, quando ele diz à Alita que ela tem um cérebro saudável de rapariga adolescente... "se é que isso existe". Basicamente uma forma de dizer que raparigas adolescentes não têm todas um cérebro igual e de dizer que todas as mulheres são diferentes, mesmo adolescentes.

E é disso que eu gosto em tantos animes: as suas personagens femininas, mesmo as mais fortes, aderem sempre a certos estereótipos orientais e são sexys ou apelativas até certo ponto, mas são sempre humanizadas e a sua história é explorada, atribuindo-lhes um papel que raramente encontro nas obras ocidentais. Mais do que isso, mesmo personagens secundárias têm a oportunidade de mostrar o seu valor, e Alita, não sendo secundária (pelo contrário) é um exemplo ainda mais claro de "show, don't tell". Algo que tantas obras ocidentais parecem não saber fazer, em todos os aspetos, mas mais ainda no que toca a empoderar personagens femininas. E portanto para mim a Alita já se tornou favorita.


Ai, tenho tanto para dizer no próximo post...
Enquato isso fiquem com estes 3 AMVs de Dragon Prince, que são dos produtores de Avatar e já me convenceram a ver >.< [www www www]
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